quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Caminho do Rei

Agora com o anúncio da reabertura do Caminito del Rey , não podia deixar de partilhar essa magnifica aventura em que participei na companhia de bons amigos.

El Camiño de Rey, é uma passagem estreita ou caminho exterior pelos rochedos de El Chorro, no norte de Málaga – Espanha. Este caminho foi construído entre 1901 e 1905 para facilitar o acesso dos operários da Companhia Hidroeléctrica de El Chorro a uma central em construção, situada no dito desfiladeiro escavado pelo rio Guadalhorce. Por ali podiam transportar mantimentos, materiais, fazer vigias e trabalhos de manutenção. Em 1921, o rei D. Afonso XIII teve de fazer o "Caminito" para inaugurar a represa Conde Del Guadalhorce, conferindo-lhe o nome pelo qual ficou conhecido até hoje.

Com o passar dos anos e sem manutenção o seu estado foi-se degradando, sendo perigoso para quem visita o local onde, de resto, já morreram várias pessoas aventureiras que caíram pelo desfiladeiro duma altura de 200 metros acima do rio.

Com uma extensão de cerca de 3 km e 1 metro de largura a serpentear o desfiladeiro do rio e sem proteções, numa estrutura assente em barras de aço aproveitadas da antiga ferrovia, com o piso deteriorado, os aventureiros são obrigados a usar os cabos e mosquetões presos de modo duvidoso às paredes e a testar o seu equilíbrio sobre as vigas não muito amigáveis.



É difícil de descrever esta magnifica aventura que a vida me ofereceu, por causa de todas as emoções que a envolveram, mas apesar de a ter feito há cerca de dois anos, recordo-a como se tivesse sido ontem. 

Para chegarmos a El Chorro, tivemos que fazer 650 km, uma viagem longa, mas que vale muito a pena, por aquilo que se vai encontrar.

Quando chegamos e depois de uma pequena refeição, demos inicio à caminhada e por cada passo naquele caminho ia ganhando anos de vida, tal não era o esplendor da beleza natural daquele local. As emoções ficam à flor da pele e só de olhar para aquela estrutura e desfiladeiro, a adrenalina sobe ao seu máximo. Acompanhado por um grupo de amigos e família do melhor que se pode arranjar para estas aventuras, o percurso foi feito em extrema alegria e convívio, fazendo com que a aventura se torna-se ainda mais intensa e inesquecível. 



















































Em Novembro de 2013, o Caminito de Rey, considerado um dos caminhos mais perigoso do mundo, foi fechado ao público. Apesar de este ser um dos mais importantes pontos turísticos da região de Málaga, a verdade é que o seu estado ruinoso estava a colocar em perigo cada vez mais vidas. Nos trabalhos de construção estão a ser tapados os buracos e toda a estrutura está a ser reforçada. Há novos postes de segurança e foi construído um muro para proteger os visitantes de caírem no rio Guadalhorce.

 Agora, os governantes da região anunciaram que a reabertura do caminho está prevista para janeiro de 2015 para não prejudicar ainda mais o turismo local.




Tenho pena de não o poder fazer novamente com a adrenalina que ele nos dava, mas compreendo e aceito que estas obras teriam de ser feitas.  O local é de uma beleza natural imensa que todos tem o direito de desfrutar e só assim pode haver condições de segurança para isso. 












quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Rota Vicentina - Setembro 2014

 Desta vez a aventura levou-nos a percorrer a grande rota 11 que liga Santiago do Cacém ao cabo São Vicente. Fiz na companhia de quatro amigos em BTT e em autonomia. A dormir em hotéis de estrelas infinitas, a tomar banho em barragens e sistemas de rega e muitas refeições nos melhores restaurantes gourmet. A grande rota 11, designada por os caminhos históricos da costa Vicentina, percorre as principais vilas e aldeias num itinerário rural com vários séculos de história. Constituído maioritariamente por caminhos rurais, trata-se de uma clássica Grande Rota (GR), totalmente percorrível a pé e de BTT, com troços de montado, serra, vales, rios e ribeiras, numa viagem pelo tempo, pela cultura local e pelos trilhos da natureza com um total de 220 km.







Na primeira etapa fizemos cerca de 50 km. Saímos de Santiago do Cacém, cidade com fortes ligações às peregrinações a Santiago de Compostela. É nesta cidade que se inicia esta travessia ao longo do Sw de Portugal. Por aqui passam desde a Idade Média peregrinos oriundos do Promontorium Sacrum, o destino mítico desta viagem histórica que agora se recupera. Acabámos na serra de São Luís. Este troço é dominado pelo sobreiro, árvore emblemática do Alentejo. Sobre ele afirmou Vieira Natividade, notável silvicultor português: “nenhuma outra árvore dá tanto exigindo tão pouco”.

 A primeira paragem fez-se em Vele seco para reabastecer. Vale seco é uma pequena aldeia, apenas com um café/mercearia e meia dúzia de casas. Ao aproximarmo-nos da aldeia passamos junto a pequenas propriedades agrícolas, contactando de perto com o ritmo da vida no campo e as pessoas que aqui vivem. Este é um Alentejo puro, por vezes solitário, onde vale a pena parar no café para um dedo de conversa e muita sabedoria, como foi o caso de um homem que estava ali sentado e que no meio de muitas histórias, disse-nos que já tinha vivido no stress da cidade da Amadora.  







A segunda paragem foi na inevitável barragem de Campilhas. A Barragem de Campilhas é um local ideal para um mergulho refrescante com paisagens fantásticas.








O terceiro troço do dia foi feito entre a barragem e o Cercal do Alentejo. Este é o percurso mais árido da Rota Vicentina, através de um Alentejo agrícola e marcadamente rural, onde se sente, apesar da proximidade da costa, os cheiros e a força do verdadeiro interior. 



No Cercal do Alentejo parámos para reabastecer, mas como queríamos continuar para fazer mais uns quilómetros, decidimos comprar alimentos para o jantar, pois sabíamos que não tínhamos tempo para chegar a São Luís e que provavelmente ficaríamos num qualquer lugar no meio da serra. 

Depois das compras feitas iniciamos o percurso sem destino. Este percurso é o mais montanhoso da Rota Vicentina, um percurso exigente em termos físicos, com subidas longas em terrenos duros e irregulares, mas em que se tem a oportunidade de apreciar vistas deslumbrantes sobre a planície e o Atlântico. 

Estávamos na dúvida de onde pernoitar, mas depois de encontrarmos um sistema de rega, não hesitamos. Estávamos entre o Cercal do Alentejo e São Luís no meio do nada, num local fantástico da serra, em pura comunhão com a natureza, com condições para tomar um banhinho e umas ruinas para montarmos o restaurante gourmet. Ficamos todos de acordo e lá fizemos o chek-in num dos hotéis com mais estrelas em que fiquei em toda a minha vida. 










No segundo dia, iniciamos a resto do percurso até São Luís e a coisa ia correndo mal. No dia anterior não compramos água suficiente e como o percurso até São Luís foi exigente, ficamos sem água e particamente sem alimentos no meio da serra. Foi aqui que sentimos o isolamento e a falta de infraestruturas da rota. Tem que se ter muito cuidado com estes pormenores, porque o que torna esta rota singular e muito bonita, num constante isolamento e sempre em contacto com a natureza, também nos pode levar a situações de risco.  

Claro que quando chegamos a São Luís fatigados e quase desidratados, no primeiro café que encontramos parecíamos uns alarves a comer. Nunca uma refeição me sobe tão bem. 











Depois de reconfortados e reabastecidos, seguimos para o percurso até Odemira. Esta é a etapa da água, onde se desvenda um Alentejo diferente, verde e vibrante de vida, com pegos e ribeiras refrescantes, a Ribeira do Torgal como protagonista e uma floresta viva, com abundância de espécies valiosas que cobrem as margens das linhas de água como salgueiros, amieiros ou freixos. Fazendo um desvio de 1 km do itinerário principal chegamos ao Pego das Pias, um dos ex-líbris da região. Este é um local mágico, ideal para uma pausa e um piquenique. Os pegos, troços da ribeira que permanecem com água no Verão e que se encontra ao longo deste percurso, são essenciais à sobrevivência do escalo-do-mira. Trata-se de uma espécie endémica da bacia do Rio Mira, sendo este o único sítio do mundo onde podemos encontrar este pequeno peixe.











Em Odemira fizemos outra paragem para abastecer de água num chafariz. A vila de Odemira é o centro administrativo do vasto Concelho de Odemira, o maior de Portugal. Esta centralidade tem origem na sua situação geográfica particular. 




Daqui iniciamos a etapa até S. Teotónio, Numa das etapas mais acessíveis da Rota Vicentina, dada a natureza do caminho, sempre largo e com um desnível pouco acentuado, pedalamos na companhia do rio Mira e da ribeira de S. Teotónio, conhecendo de perto a beleza do interior deste concelho que se estende entre a serra e o mar.





Quando chegámos a S. Teotónio, já tínhamos cerca de 60 km nas pernas com troços difíceis. Sentíamo-nos cansados, mas queríamos chegar a Odeceixe para ficar no parque de campismo e assim podermos tomar um merecido banho. Decidimos então iniciar o percurso. Um percurso memorável, em que percorremos trilhos inóspitos, cobertos de vegetação autóctone e bem preservada, descer a vales fundos e subir de novo às alturas da serra, apreciando a vista sobre o casario de Odeceixe e o mar. No final tínhamos o Algarve à vista e estávamos mais mortos que vivos, mas de alma cheia. 





No dia seguinte partimos do parque de campismo de Odeceixe com destino a Aljezur. À saída de Odeceixe e logo para começar bem tivemos de subir ao centenário moinho de vento, onde foi imperativo fazer uma pausa para recuperar e apreciar a vista. Daqui vê-se toda a vila, a extensa várzea e a ribeira de Seixe que segue o seu rumo até ao mar.







Depois entrámos junto às levadas do Sudoeste, ao longo do canal de rega do Mira, numa paisagem de vistas desafogadas, com a serra a nascente e o Atlântico a poente. Aqui tivemos que ser prudentes, os trilhos são junto às margens e com troços muito estreitos. Qualquer desequilíbrio poder-nos-ia fazer cair para dentro do canal que ainda tem uma corrente forte. 

Mas nem isso nos tirou a vontade de tomarmos um banhinho e só não o fizemos porque o tempo não estava convidativo. Tínhamos pensado em faze-lo junto a uma represa e assim só seriamos arrastados até à represa, conseguindo depois sair pela mesma. 






Em Aljezur fizemos a primeira pausa, numa Vila pitoresca com as suas ruas labirínticas e com um lindíssimo percurso histórico e cultural.






Daqui partimos para a Bordeira, num percurso de um sobe e desce constante e muito desgastante. Foi também neste percurso que apanhámos o primeiro grande aguaceiro. A sorte foi encontrar uma caravana com um toldo na praia do Canal que antecede uma descida vertiginosa . Tínhamos como destino a Carrapateira, onde pensámos em pernoitar. Pensado em alugar uma casa porque sabíamos que nessa noite existiam previsões de tempestade, mas quando chegamos à Carrapateira, estivemos quase para acampar na praia, pela beleza natural que esta representa. Depois acabamos por ir mesmo para uma casa alugada e ainda bem que o fizemos. Pelas quatro da madrugada caiu uma daquelas tempestades, que se estivéssemos acampados nem as cuecas do corpo se tinham aproveitado. Este percurso confirma o lado mais agreste e inacessível desta região costeira.















O último dia amanheceu chuvoso e sombrio com ar de tempestade. O que nos levou a questionar como seria difícil a progressão com estas condições. Mas por volta das nove o tempo começou a abrir e decidimos então iniciar a etapa até Vila do Bispo. São paisagens em que a serra se derrama até ao litoral, indo morrer à praia, transmitindo sensações de amenidade e serenidade, mas também de vigor e magnificência.







Em Vila do Bispo fizemos a ultima paragem para reabastecer antes de iniciarmos o percurso até ao cabo S. Vicente. 






Este é o percurso em direcção ao ponto mais a Sudoeste da Europa, um local mágico onde ecoam as vozes de peregrinos e navegadores. Falésias monumentais, panorâmicas arrebatadoras sobre a costa e um palco privilegiado para o esplendor da mãe natureza. 
















Daqui ainda partimos para Lagos, onde fizemos mais 40 km para poder apanhar o autocarro de regresso. Fomos acolhidos pelos tios dos irmãos Perdigão, a quem fico eternamente agradecido pela maneira como nos receberam, dispondo de todo para o nosso bem-estar. Bem hajam. 



Depois de uma aventura inesquecível de quatro dias e cerca de 260 km, não podia deixar de agradecer aos meus companheiros de viagem. Vocês são os MAIORES. Mas também a todos aqueles que trabalham em prólogo deste projeto da rota Vicentina, afinal são eles que proporcionam estas aventuras riquíssimas a nível pessoal cultural e histórico. Pena é não estar mais desenvolvida a nível infraestrutural, mas aí a culpa é do Tuga que ainda não deu o passo à frente que a maioria dos Europeus já deu. Para a maioria dos Europeus já não lhes interessa o consumismo ou o carro como estatuto social. Interessa-lhes o contacto com a natureza, percorrerem grandes rotas a pé ou de bicicleta. Meus amigos se quiserem conhecer o vosso País riquíssimo em beleza natural cultural e histórico, deixem o carro em casa e passeiem a pé ou de bicicleta. Nenhum carro vos leva onde podem ir a pé ou de bicicleta e podem crer que vão encontrar recantos magníficos, ajudando estes projetos a desenvolverem-se e a criar riqueza local e nacional.    




Fonte : http://www.rotavicentina.com/