quarta-feira, 17 de junho de 2020

Três dias pelos caminhos de Santiago no Alentejo




Os Caminhos de Santiago no Alentejo, marcados agora à pouco tempo, ligam Alcoutim a Vila Velha de Rodão. Eu com o meu amigo João Lopes, decidimos em três dias fazer o percurso de Alcoutim a São Miguel de Machede onde saímos do caminho e fomos para o Redondo onde tenho casa, num total de cerca de 250 quilómetros e em autonomia,  dado que com esta questão do Coronavirus, estava praticamente tudo fechado para pernoitar e também porque é um conceito que nos agrada. 

Percorrer os Caminhos de Santiago no Alentejo esconde a promessa de uma aventura, de descobertas inusitadas, do desvendar de uma história que a memória preservou, uma história que se desenrola a cada paragem. Percorrer os Caminhos é reviver essa história nas marcas que o passar do tempo não foi capaz de apagar, é transformar o viajante no espectador de uma narrativa que se conta no património material e imaterial, nas terras, vilas e curiosidades, na gastronomia, nas gentes e nos seus costumes, os que já foram e os que continuam a ser e, ao mesmo tempo, no participante da mesma, incapaz de resistir aos encantos que vai desvendado.

Mais do que percorrer o caminho, é conhecer uma terra de paisagens que, ainda que diferentes, partilham o facto de serem únicas e ao mesmo tempo lindas, repetindo-se apenas nas recordações que delas ficam.

A aventura começa no Redondo com uma boleia de uma amigo até Alcoutim no fim do dia anterior ao inicio da viagem. Nesse dia como conseguimos encontrar um alojamento local ficámos bem hospedados para no dia seguinte estarmos frescos para o dia algo duro que tínhamos pela frente. 

Alcoutim

Alcoutim com vista para Sanlúcar em Espanha 

Alcoutim 



No dia seguinte fizemos uma etapa com cerca de 73 quilómetros e a mais dura com cerca de 1.200 metros de acumulada. Entre Alcoutim e Amendoeira da Serra. 

Provenientes de Alcoutim, “navegamos” o Guadiana sempre ao longo da margem portuguesa, seguindo a sinalização da rota GR15, até chegarmos à ribeira do Vascão, já com alguma fadiga acumulada de alguns quilómetros pela serra algarvia. A passagem da ribeira do Vascão faz-se na zona assinalada, assumindo que o nível das águas está raso, como acontece quase sempre, com excepção feita nos períodos de grandes chuvadas. Aqui apanhamos a maior dificuldade de toda a viagem. O rio levava alguma água o que nos dificultou a passagem, obrigando-nos a tirar os alforges para passar com as bicicletas e depois a subida a seguir que nos deixou de rastos, com um declive acentuado e em carreiro de pé posto que nos obrigou a empurrar as bicicletas à mão. 

Daqui seguimos até à Aldeia de Mesquita, onde começa a estar marcado os caminhos de Santiago. 

Alcoutim ficava para traz 


1ª dificuldade 

1ª dificuldade 
O sabor da conquista 

O descanso do guerreiro 

Saímos da aldeia depois do pequeno almoço num estabelecimento gerido por dois jovens muito simpáticos que apostaram  nos caminhos e neste tipo de turismo, abrindo ali o seu negocio que incluindo também um refugio para pernoitar. A saída da aldeia faz-se  entre os ancestrais muros de pedra que já então conduziam as gentes para Mértola. Entramos na área protegida do Parque Natural do Vale do Guadiana e, com o Algarve cada vez mais longe, percorremos o caminho para norte, em direcção ao Alentejo profundo. Aqui, é de notar os verdes dos matagais de zimbro e o singular montado de azinheiras. Na primavera adiciona-se o amarelo e o rosa, proveniente das centenárias tamargueiras em flor. Respiramos o ar puro e seguimos caminho! Até Mértola, onde almoçamos e nos abastecemos para o resto do dia. 

Parque natural do vale do Guadiana 


As cores do vale do Guadiana 

O rio Guadiana com Mértola em pano de fundo

Ponte de Mértola 

Mértola 

Praia fluvial de Mértola 

Escultura do Pulo do lobo 

O Alentejo profundo 

O Inicio das grandes searas 

Ao chegarmos a Amendoeira da Serra dirigismos-nos à Associação recreativa da Aldeia porque sabíamos que tinham um refugio para peregrinos. Mas como calculámos e já estávamos à espera, este encontrava-se encerrado por causa do Covid. A responsável é a D. Maria que nos disse que a Junta de Freguesia não lhe tinha dado a chave do complexo, mas que nos podia fazer o jantar. Então decidimos ficar por ali e procurar um local para montar as tendas de campismo. Dirigimos-nos para perto das casas de banho publicas para ver se existia algum lugar bom e discreto para desta forma estarmos perto das casas de banho. Por sorte perto de ali e numa antiga escola primária, que agora está transformada num edifício de apoio ao lince Ibérico, encontramos nas traseiras um local prefeito e com uma mangueira com água. Não podíamos ter encontrado melhor local, perto das casas de banho, com água e escondidos dos olhares indiscretos. 


Edifício de apoio ao Lince Ibérico 

Local da pernoita 

Ao segundo dia ligámos Amendoeira da Serra à barragem do Alvito no etapa de 81 quilómetros. A odisseia começou cedo com destino a Cabeça Gorda.  Não se conhecem as origens da aldeia de Cabeça Gorda, já no concelho de Beja, mas há dados históricos que dão conta da sua criação ser muito anterior ao nascimento de Portugal, provavelmente durante a época da ocupação árabe, que teve início no ano 702 d.C. 


Cabeça Gorda

A próxima etapa foi até Beja. Uma etapa curta e relativamente plana, o que nos permitiu dedicar algum tempo a descobrir a imensa riqueza patrimonial e cultural da capital do Baixo Alentejo e a recuperar do maior esforço do dia anterior. Estamos em plena planície das ricas terras vermelhas de Beja, sempre muito disputadas ao longo dos séculos pelos diversos povos que as ocuparam.

As planícies de Beja 

Beja 

Beja 
Beja 
Beja

Em plena planície pura, dura, sem sombras, alguns cavalos e muitas vacas a pastar, mais oliveiras alinhadas e uns poucos aviões a descolar do aeródromo, que quer ser aeroporto internacional. Beja serve de ponto de partida para mais uma etapa, até Cuba, vila com vários atractivos. Desde logo, no largo onde se situa o Turismo, descobrimos a controversa estátua de Cristóvão Colombo, da autoria do escultor Alberto Trindade, inaugurada em 2006 e que pesa uma tonelada e meia.

Segundo uma investigação histórica, Cuba foi local de nascimento e baptismo de Salvador Fernandes Zarco, filho ilegítimo de um nobre de Beja, e que terá adotado o nome espanhol de Cristóvão Colon para servir, a mando do rei português, como espião na corte espanhola. O enredo descrito em exposição patente no posto de Turismo é complexo mas verosímil, e explica, entre outras “coincidências”, porque é que o famoso descobridor terá dado o nome de Cuba à ilha em que aportou nas Caraíbas, para além de outros nomes de origem alentejana que utilizou em outros “baptismos”.

A caminho de Cuba

São Matias 

Contraste 

Hectares de Olival a perder de vista 

Cuba 

A estátua e museu dedicada a Cristóvão Colon 

Daqui saímos a caminho de Vila Ruiva, num percurso que foi alterado. No site oficial o percurso segue por uma antiga Via Romana, que agora é atravessada por herdades privadas e a alternativa é seguir pela estrada nacional. Como eu e o meu amigo João, não gostamos muito de alcatrão decidimos ir pela Via Romana e junto a um grande transvaso. A coisa até que estava a correr bem, quando de repente nos vimos no meio de gado bravo. Mas com cuidado, tudo correu bem e valeu a pena porque o percurso de facto é muito bonito. O pior foi quando chegámos ao fim da herdade e tivemos que saltar o portão,  tarefa que não foi muito fácil. 

transvaso 


Transvaso 
Gado bravo 

Em Vila Ruiva saímos dos caminhos de Santiago, por uma estrada secundária, passando ainda por uma ponte Romana a caminho da barragem onde pernoitámos. 

Ponte Romana 

Já a descansar 

O belo do banhinho depois de um dia em cima da bike

O quarto de hotel 

O belo jantar 

No ultimo dia a natureza contemplo-nos com um nascer do dia brutal, para nos dar animo para os últimos 94 quilómetros.

Nesta etapa tivemos do melhor e do pior em termos de percurso. Entre Viana do Alentejo e Évora muito alcatrão, cerca de 20 quilómetros em estrada nacional, mas depois de Évora e até São Miguel de Machede, um percurso em estradão muito bonito.

Não tenho fotos de Évora porque não entrámos no centro histórico, isto porque já conhecíamos, mas vale muito a pena uma visita mais demorada.  Évora oferece-nos a Sé, as incontáveis igrejas, o templo romano, a Universidade, as genuínas e antiquíssimas ruelas, os conventos e os monumentos megalíticos nas imediações, a Capela dos Ossos, na Igreja de São Francisco, onde a mensagem sobre a portada nos alerta para a intemporal fragilidade humana: “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”…

Nascer do dia 
 
Nascer do dia 

Neblina Matinal 

Neblina Matinal 

Paisagem Alentejana 

Paisagem Alentejana 

Passagem por mais uma ribeira 

Oásis 

Aldeia de São Brás 

A caminho de Viana do Alentejo 

Viana do Alentejo 
Viana do Alentejo 

A caminho de São Miguel de Machede 

A caminho de São Miguel de Machede 

Nossa Senhora de Machede 
São Miguel de Machede 

Já perto do Redondo 

Conhecer os Caminhos de Santiago no Alentejo foi, mais do que uma viagem de bicicleta,foi uma experiência que me marcou, que me fica, que guardarei nas minhas memorias intemporais. Foi conhecer a D. Maria na Amendoeira da Serra, foi conhecer o Sr. Zé com quem almocei e confraternizei em São Matias, foi partilhar momentos de amizade com o João, foi sentir a natureza a atravessar-me os puros, foi contemplar o nascer do dia e o sentir a noite serena. E no fim é sentir que se quer repetir.


Fonte: Caminhos de Santiago no Alentejo e Ribatejo 

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